Antes da tempestade...

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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

RETRATO: Carlos Alberto Lopes, o Anacoluto de Cubatão


(por Jordana Lima Duarte)


    Quis muito fazer o Retrato dele – me disseram que é um homem difícil e deixei a idéia na geladeira até que veio a ordem prá que o entrevistasse. Logo de saída ele exigiu que se publicasse cada palavra do que dissesse – que eu não cortasse nada, era uma exigência. E esse homem genioso e exigente que assassina a língua portuguesa todos os dias e nutre uma paixão descontrolada pelas vírgulas me recebeu em sua casa e apresentou sua mãe – de quem cuida sozinho, apesar de viver em cadeira de rodas - e todas as suas relíquias.

DE ONDE VEM ESSE NOME: ANACOLUTO?
O Anacoluto de Cubatão nasceu quando ganhei a “Medalha Afonso Schmidt” de 2008, que esperei por 20 anos – porque todo mundo sabe que eu devia ter recebido essa medalha faz muito tempo. Quando saí da solenidade, depois da entrevista que dei para rádio e TV me perguntei o que eu daria para o município. Aí comecei a usar meu telefone, fechei contratos de informação com uma rede impenetrável – com isso consigo fazer o Anacoluto sem sair de Santos afinal,  não tenho condução própria. E não posso pagar jornalista, como o Raul (Christiano) pode. Meu gosto seria fazer o Anacoluto como ele é, em papel e diário.

E VOCÊ SABE BEM ARRANJAR ASSUNTO DIÁRIO...
O Anacoluto traz uma média de 5 matérias por dia. E todas são  publicadas no site e remetidas por email prá 560 mil pessoas. São 60 mil emails prá Baixada Santista e 500 mil na rede mundial. Em dois dias do Anacoluto eu bato a tiragem mensal da Tribuna de Santos prá Cubatão, fácil. Não é que eu me sinta glorificado com isso – não tenho glória nenhuma, não ganho um centavo, aliás, é um prejuízo desgraçado com telefone. E não tenho patrocinador nem anunciante.

VOCÊ NUNCA PENSA EM IR ATRÁS DISSO?
Não aceito patrocínio, nem auxílio financeiro de partido político, não me vendo. O Anacoluto é rotulado como um jornal de oposição. Só que eu não sou um jornal de oposição – eu sou Cubatão. Se você fizer a coisa certa prá Cubatão, tem espaço e elogio dentro do jornal. Como o governo não faz nada, até agora, que mereça ser elogiado, eu me tornei o jornal de oposição.

MAS VOCÊ NUNCA SE FILIOU A NENHUM PARTIDO?
Eu sou infiliável, minha filha – incomprável, intragável, imandável (ele bem que tenta esconder a vontade de rir com palavras implacáveis). Trabalho com jornal desde os 15 anos de idade e nunca trabalhei “em” jornal.

(Faz pausa dramática, esperando ser questionado – o jeito é obedecer)
HUMM... E COMO SE EXPLICA ISSO?
Sempre tive meu jornal, desde os 15 anos – o mesmo jornal.

VOCÊ JÁ FAZIA O ANACOLUTO AOS 15 ANOS?? (Deu certo, fiquei espantada)
É o mesmo Anacoluto, só que está na internet desde 2000. Antes ia por correio. No tempo da Ditadura, 1977 – 1978, ele ia pelo correio falando mal do Governo. E o Governo entregava na tua casa, o jornal. (Não sei se devia, mas estou rindo). Às vezes era um envelope da Prefeitura de Cubatão, às vezes da Prefeitura de Santos, outras vezes da Petrobrás, de outra era o envelope da farmácia, eu enfiava o Anacoluto em qualquer envelope que se arrumasse. Chegava um envelope das Casas Bahia na tua casa, você abria e tinha o Anacoluto lá dentro, metendo o pau no Governo. E foi nessa época que eu conheci o Raul, no tempo da briga feia – nós vendíamos livros de mesa em mesa. Estivemos juntos na Bienal de Santos - prá tua ter uma idéia, a livraria Martins Fontes vendeu, durante os 10 dias da Bienal, 26 obras. O meu livro “O Reverso do Inverso” vendeu 2.500 exemplares em 10 dias. 


E COMO É QUE VOCÊ VEIO PARAR EM SANTOS?
Eu nasci em 1951, quando Cubatão era uma estrada, um bambuzal, a 9 de Abril nem era asfaltada. Descobriram que eu tinha Paralisia Infantil e a quadra em que eu morava foi interditada pela Sanitária Pública do Estado, prá se descobrir qual era a minha doença. Quando fiz 7 anos não tinha escola prá mim, porque não havia quem me levasse ao banheiro. Em 1961, meus pais se mudaram para o Morro da Nova Cintra e em 1964 viemos prá cá e estou aqui desde então, na Rua Rio de Janeiro. Mas sempre trabalhei em Cubatão, fui funcionário da Câmara Municipal, da Caixa Econômica Federal e do DER. Fui eu quem apresentou na Câmara de Cubatão projeto prá que deficientes físicos se tornassem funcionários públicos sem prestar concurso. No final de 1991 eu caí e quebrei a coluna. Entrei com “acidente de trabalho” e passei a usar cadeira de rodas. Em 1993 me aposentei, tinha 42 anos.

VOCÊ MANTEVE O ANACOLUTO NOS TEMPOS EM QUE TRABALHOU NA PREFEITURA DE CUBATÃO?
O correio ficou caro, comecei a rarear as edições – cheguei a distribuir de 2 em 2 meses. Quando abriram a internet, tornei o Anacoluto diário.

VOCÊ, MUITAS VEZES, ANTECIPA NOTÍCIAS QUE A MAIORIA DOS LEITORES SÓ TERÁ CONHECIMENTO EM UMA OU DUAS SEMANAS – NÃO TEME MUDANÇAS DE VENTO QUE TERMINEM POR TE DESMENTIR?
(Ele não responde e confirma o hábito de dar o furo antecipado):
Eu sei, por A + B, que Arlindo Fagundes não vai ser Prefeito de Cubatão e nem candidato do PSDB.

E QUEM SERÁ O CANDIDATO TUCANO, ENTÃO?
Não sei – mas não será Arlindo Fagundes.

VOCÊ FALA COMO UM ORÁCULO.
Falo porque tenho prática. O PSDB, até agora, não investiu nele. (E trata de mudar de assunto) Vou te contar uma historinha, prá você ter uma idéia do homem que sou: quando eu nasci, o Prefeito era o Armando Cunha. Meu avô me pegava no colo e me levava no Bar São Paulo, da família Heleno – me sentava com a bunda no balcão e falava assim prá mim “Aqui na frente vai passar o Prefeito, você sabe quem é o Prefeito?”. Eu dizia “Sei, aquele que anda de chapéu-panamá e capa de chuva, mesmo que esteja sol” – eu tinha 3 anos. “Ele mesmo. Quando ele passar por aqui, fala assim: prá onde é que tu vai, Prefeito f* da p*?” E continuou: “Se tu falar isso pro Prefeito, eu te pago todos os doces que tu conseguir comer durante a semana toda”.

E VOCÊ FEZ?
Eu não fiz isso uma vez. Eu fazia isso todo dia - 5 horas da tarde eu ia prá lá esperar o Prefeito e, quando ele passava eu gritava “Armando Cunha, Prefeito f* da p*, prá onde tu vai?” Pois o Armando Cunha entrava e pagava sorvete, doce, eu comia até cansar e ia embora prá casa. Quando fui trabalhar na Prefeitura, encontrei Armando Cunha Filho, engenheiro. Ele não sabia que eu era eu. Aí eu estava na cantina municipal e escutei um cara chamar “Armando!” Daí me voltei e perguntei “Tu é o Armandinho Cunha?” Ele: “Sou”. Daí lasquei “Pois é. Eu sou o cara que mandava o teu pai T* no c* todo dia.” Ele devolveu na hora: “Carlos Alberto, neto do Campina! Meu pai falou em você até morrer – era o único cara que tinha coragem de mandá-lo T* no c*”. (Ele ri, deliciado com a lembrança). Eu te mandei “Cuba de então?”

VOCÊ ME MANDOU “CONTOS SOLTOS” E “POEMAS SOLTOS”.
Ah, então vou te mandar esse. Eu te mandei a biografia do Afonso Schmidt que é de minha autoria?

NÃO.
Porque a única biografia com autorização da família é a minha – e até agora ninguém publicou. Mas ela já está publicada na internet faz mais de 10 anos. Quem quiser, leia.

MAS, AFINAL, ARMANDO CUNHA ERA UM F* DA P*?
Sei lá, não conheci a mãe dele hahahah!!!! Mas o que meu avô dizia, prá mim, era lei. O negócio é que, quando ele foi Prefeito, quem pagava o salário dos funcionários era ele mesmo. Era um empresário muito bem sucedido – de uma família ilustre de Cubatão, um homem que fez muito pelo município. Se não houvesse Armando Cunha e os emancipadores Cubatão seria, até hoje, um bairro de Santos, não chegaria nem à metade do que é agora.


(Ele abre a internet no intuito de me mostrar mais irregularidades da Prefeitura de Cubatão – não creio que não seja da minha conta, mas estou ali em busca do homem por trás do Anacoluto e agora quero saber dessas relíquias todas à nossa volta. Prá onde se olha, estão lá – tantas que parecem querer saltar em cima de nós)

VOCÊ COLECIONA MUITA COISA – QUANDO COMEÇOU A JUNTAR TUDO ISSO?
(Ele lança, em torno, um olhar evasivo) Fui juntado... Aquela “Nossa Senhora” ali veio de Portugal, de Fátima – e foi benzida pelo Papa antes de vir prá cá. Esses santinhos, fui comprando prá montar o meu congá. Mas não é nada demais – sabe essas lojas de 1.99? Você compra umas coisas assim e deixa comigo que, do jeito que fumo, faço tudo virar logo antiguidade. Tá vendo aquela caixa? Pegue prá mim, por favor. (Está escrito “para a biblioteca de Cubatão”). Isso aqui são livros meus prontos para serem colocados na Biblioteca de Cubatão. (É uma bela coleção de contos, poesia, romances e biografias, tudo inédito e de autoria dele, numa encadernação especial e cara).

E POR QUÊ ESSE MATERIAL NÃO FOI PARA A BIBLIOTECA?
Porque a Biblioteca de Cubatão ainda não merece meus livros.

MAS A BIBLIOTECA EXISTE PRÁ SERVIR AO CUBATENSE – E O CUBATENSE NÃO MERECE??
Cubatão ainda não me reconheceu como seu maior autor vivo – quando me reconhecerem eu mando o material. São 57 obras! Mas a Biblioteca só reconhece o livro e o autor depois que ele é indicado por uma editora. Só Schmidt escreveu mais do que eu – a diferença entre nós é de 12 obras.

E POR QUÊ VOCÊ ACHA QUE CUBATÃO NÃO TE RECONHECE?
Porque eu não abro mão de certas coisas, não sou puxa-saco.

COMO VOCÊ AVALIA AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES PARA A PREFEITURA?
Se Nei Serra sair candidato, leva. Geraldo Guedes seria viável, mas não tem votos na Vila Nova e Casqueiro. Arlindo Fagundes não tem votos na periferia. E tem uma coisa: se ao final não houver apenas dois candidatos, Márcia Rosa é eleita. Porque prá derrubar essa mulher, a oposição só tem chance se reunir suas forças em um só candidato.

(Ele tem algumas listas, como a dos seus “melhores”)
Melhor Presidente da Câmara de todos os tempos: Maria Aparecida Pieruzzi.
Melhor Diretor da Câmara: Armandinho Terras.
Melhor jornalista de Cubatão: Donato Ribeiro (falecido), de “O Cubatão”.
Melhor jornalista mulher de Cubatão: Marisol de Andrade (dava um tom de inocência ao jornal O POVO).
Homens para quem não existe substituto: Bira, Armando Campina, José Jaime Ruivo, Gigino Aldo Trombino e Michaylo.

...

Apesar de nosso personagem ter exigido a publicação na íntegra, de sua entrevista, sabemos que não seria viável – se assim fosse, ocuparia todo o jornal.
Quanto à demora na publicação, ele conhece bem a razão.

                                                        


3 comentários:

  1. Olá caro Anacoluto. Amei saber um pouco mais de sua pessoa e do seu incansável e positivo trabalho. Abraços - JALopes

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  2. "Papel velho, Poema e Poesia.
    Me lembra Amarilda Toledo, Visc. do Rio Branco, MG.

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  3. Bela entrevista, o Anacoluto é um 'ícone da comunicação' nesta cidade - parabéns!

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