Antes da tempestade...

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sexta-feira, 17 de junho de 2011

RETRATO: "Pedro do Pão de Queijo"

(Por Jordana Lima Duarte)
Seu nome é Pedro Raimundo de Souza e é natural do Rio de Janeiro. Chegou a São Paulo aos 15 anos. Querido como poucos na cidade, “Pedro do pão de queijo” chega à redação sorrindo, como sempre.
POVO – Mas você veio até São Paulo sozinho?
PEDRO – Sim, sozinho – eu tinha aquela vontade de trabalhar e as chances melhores estavam em São Paulo. Então o jeito foi deixar meu pai e minha mãe.
POVO – Como eles reagiram a isso, considerando tua pouca idade?
PEDRO – Eles não acharam nada bom – só que eu nunca fui de fazer coisas erradas. Sempre trabalhei, estudei. Então quando vim prá cá, estava estudando também e fui ficando por São Paulo. Fui ajudante de pedreiro, trabalhei no almoxarifado da Lobrás que era a ‘Lojas Brasileiras’. Trabalhei na Eletroradiobrás também e fui indo. Casei com 23 anos no dia 3 de março de 1973, com Juraci. Vivemos 9 anos e em 1982 nos divorciamos, mas antes disso, em 1979, eu fui pro Iraque. Saí da Eletroradiobrás, fui pro Carrefour, que só tinha 3 unidades – a de Campinas, Vila Guilherme e Santo Amaro, eu trabalhei nas três. Então fui pro Iraque e tive que deixar minha mulher aqui. O Iraque estava em guerra e eu não queria ir, estava procurando emprego no Brasil. Fui trabalhar na Mendes Junior. Cheguei às 6 horas da manhã na empresa. Pegaram minha carteira profissional, levaram lá prá cima e eu fiquei quieto,esperei 12 horas. Então me chamaram, perguntaram se eu era casado, se tinha filhos. Já tinha 3 meninos – Tarcíso, Marco Aurélio e Peterson. Disseram que obra, no Brasil, não tinha. Tinha no Iraque, se eu queria ir... Eu disse ‘Quero’. Disseram logo que no Iraque não tem mulher – porque sabe como brasileiro é, né? E lembraram que o país estava em guerra e eu teria que ficar restrito ao acampamento – mas o salário era bom.
POVO – Mas você ia prá fazer o quê?
PEDRO – Eu era técnico em açougue e ia mexer na seção de carnes. Mas disseram que eu teria que ir prá casa, consultar minha família e não precisava dar a resposta no mesmo dia. Eu disse que ia e pronto, estava resolvido. Então fui encaminhado prá fazer estágio em Belo Horizonte – a gente ganhava, naquela época, 186 mil cruzeiros, só no estágio. Era um salário que um doutor não ganhava. Eram 9 meses de contrato, na época. Aliás, era um tempo muito difícil. Poucas pessoas tinham TV colorida, vídeo-game, as coisas todas. Só que com um trabalho desses, podia dar tudo isso aos meus filhos. Nós tínhamos uma casa, depois compramos um apartamento. Em 1982 eu voltei prá me separar e doeu muito por causa dos meus filhos. E fiquei lá até 1985.
POVO – Havia outros brasileiros por lá?
PEDRO – Eram 7 mil brasileiros. Além de nós, havia egípcios, portugueses, turcos, chineses. E tive que aprender inglês forçado – porque também estive na Dinamarca, Itália, Portugal... No Iraque eu andei naquele desertão todo, vi a torre de Babel – que é só um montinho. Vi tanta coisa. Vi o que sobrou da Babilônia, muito bonito aquilo. Vi o rio Eufrates, o Jardim do Éden – ele existe, viu? Só que lá tem outro nome – Jardim Erbilh. Andamos pelas regiões onde a guerra era mais intensa. No Iraque tratam brasileiros muito bem – e  gostam do Pelé e do Roberto Carlos.
POVO – Quando você voltou de vez, já estava casado de novo?
PEDRO – Sim, e fiquei por Belo Horizonte mesmo, montamos um mercadinho e quebramos – foi no governo do Collor. Depois fui trabalhar na Aço-Minas, em Ouro Branco, quebrou todo mundo também por causa do Collor. Daí você imagina – eu comer areia no deserto, passar frio no deserto aqueles anos todos, prá chegar aqui e jogar tudo fora...
POVO – Você teve filhos do segundo casamento?
PEDRO – Tive uma moça, tem 26 anos, que me deu uma netinha. Chama-se Geysla Gabriela, nasceu em Sergipe – porque eu também trabalhei lá. Sergipe, Alagoas, trabalhei em Manaus... Estive na linha imaginária do Equador, em Roraima, estive nas Guianas... tudo pela Mendes Junior. Foi antes da Aço-Minas. Daí fui prá Ipatinga, que era área da Usiminas, que me mandou prá Cubatão. Sempre trabalhando com açougue. Isso foi em 2002.
POVO – E você hoje está casado pela terceira vez...
PEDRO - Jane Darc é uma pessoa excepcional, mãe de minhas duas filhas e estamos juntos faz 21 anos. Ela tem 37 anos e eu 60... E fazemos aniversário quase na mesma data – ela no dia 4 de novembro e eu no dia 5. Quando eu me casei pela primeira vez, ela estava nascendo! (Ele mesmo se espanta e ri).
POVO – E quando houve esse acidente que encerrou teu trabalho com a central de carnes?
PEDRO – Fui chamado a voltar para Belo Horizonte e, enquanto aguardava o processo todo prá minha ida, não quis ficar parado e entrei numa cozinha chamada Pontual, que foi onde perdi minha mão.
POVO – E que idade você tinha quando isso aconteceu?
PEDRO – 55 prá 56 anos... E eu nem desmaiei – prá dizer a verdade, não senti nada – foi o machucado que menos dor me causou na vida, o meu cérebro me anestesiou, só lembro de pensar “minhas filhinhas”, só falei isso, mais nada. Agarrei na máquina e fui consciente até o Hospital Modelo – onde, aliás, fui muito bem tratado. Se quer saber, eu nem tenho trauma. Eu me sentia é envergonhado... Quando eu tinha que ir ao hospital fazer curativo, passava por trás do Anilinas prá não ser visto por ninguém conhecido. Eu não ia a festas – como é que eu ia pegar um copo de refrigerante ou comer? Até que um dia eu vi um senhor na rua – que não tinha uma perna, todo sujo, aí pensei “eu estou bem”. Daí recomecei. Hoje eu entrego pão-de-queijo. Enfio a cesta no meu bracinho e saio por aí vendendo o pão-de-queijo feito pela minha mulher.
POVO – Você nunca usou uma prótese?
PEDRO – Eu tenho uma mão mecânica. Dá prá fazer muita coisa com ela, mas pegar copos de plástico é uma tragédia – e dirigir, então??
POVO – Você dirige??
PEDRO – Claro!! Eu e minha esposa inclusive estivemos no Vale do Jequitinhonha – Pedra Azul. Mais de mil quilômetros prá ir, outros tantos prá voltar – e fui dirigindo, fui e vim.
POVO – E depois de tantas idas e viagens, por que decidiu ficar em Cubatão?
PEDRO – Em Cubatão todo mundo me conhece: de criança a grandão, todos mexem, conversam comigo. Não tem esse nem aquele – eu entro nessas lojas todinhas da cidade, tenho muitos amigos. Aqui eu me sinto bem. Imagina os meninos do CAMP – todos me conhecem: “olha o tio do pão-de-queijo!”, sou muito bem tratado, e agora? Você entendeu? E uma coisa: as pessoas, por eu conhecer muita gente, levam vários currículos prá mim – então eu saio e pergunto, levo, de vez em quando arrumo trabalho prá alguém e fico tão feliz com isso...
POVO – Você, apesar das dificuldades, transmite alegria, saúde – é amigo de todos. Parece ter vindo ao mundo só prá fazer as pessoas felizes – tem essa consciência?
PEDRO – Menina, pense uma coisa: é muito mais fácil ser feliz do que ser infeliz. Porque prá ser infeliz você vai ter que fazer força e chorar – e eu trato sempre todas as pessoas com muito respeito – é o faxineiro, é a mãe da Prefeita, não tem diferença. Se você quer saber, as minhas duas ex-esposas gostam de mim e não guardam bronca. Até minha ex-sogra gosta de mim!!
Encerramos porque a hora vai adiantada – ele me dá o braço sem a mão e diz “que ele é gelado mesmo, mas é bom para a circulação”, brinca e rimos. Eu o abraço, agradecida e emocionada.
"Se precisarem de mim, estou aí" - e sai, sorrindo feito um menino.



Um comentário:

  1. Adorei o “Pedro do pão de queijo” e sua linda e maravilhosa história de vida Jordana. Esse homem deixou o seu lugar com a cara e a coragem ainda muito pequeno para construir essa mesma história de vida embasada no trabalho honesto e dentro de um caráter integro e que sempre se apoiou em valores muito humanos. Que bom que jornalistas como você se dedicam a contar a biografia dessas pessoas simples, que pertencem ao povo e são do povo, e que nos encantam com a narrativa de suas experiências pessoais e ao mesmo tempo fortalecem as nossas almas com seus exemplos edificantes. Parabéns pela excelente matéria jornalística.

    OS: Tornei-me o seguidor mais novo do seu blog, tenho certeza que encontrarei aqui escritos e matérias jornalísticas excepcionais nele, pois reconhecidamente você é uma jovem jornalista talentosa e lendo um texto seu esse fim de semana passada, percebi que tem potencial para ser uma boa escritora também. Beijos poéticos em tua doce alma feminina.

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